terça-feira, 18 de agosto de 2015

As flores

Algo que sempre me intrigou é o fascínio que as mulheres têm por flores. Mas não aquelas fixas em seus caules, sustentadas pela terra, pela chuva e pela luz do sol. São outras, embrulhadas em buquês, com laços coloridos, cheias de brilhos e com gotículas de água borrifadas sobre suas sensíveis pétalas. Ou solitárias, arrancadas do seu ramo e ofertadas a ela de surpresa.
 
Um homem poderia suprir o desejo da mulher de ter flores ao plantar algumas espécies em seu quintal ou comprar algumas plantadas em jarros e dar a ela para efeitar o ambiente do lar, mas isso não a satisfaria porque, na verdade, não é isso o que ela quer. Não que elas não ficariam felizes de andar pelo quintal multicolorido e aromatizado, ou de escolher o local que mais combine com aquele arranjo de flores. Mas não é esse o seu anseio, não é a presença da flor que a faria mais feliz.
 
Eis então o grande enigma para nós do gênero masculino. Nós que olhamos as coisas de forma prática e objetiva, que acreditamos estar agradando pela lógica que não se aplica neste caso. A simbiose entre a mulher e a flor encontra-se no campo mais profundo da natureza feminina, na sua essência que a torna tão especial ao homem, mesmo que ele não se aperceba disso. A flor é delicada, precisa de cuidado, de atenção. E quando retirada da sua fonte natural de energia, perde rapidamente a sua beleza e o seu aroma apaixonante. Neste caso, instintiva e metaforicamente a mulher que ama espera ser correspondida,e a flor que recebe simboliza a materialização de um sentimento dedicado exclusivamente a ela.
 
E por quê recebê-las de tempos em tempos? Pela mesma razão, é claro! O amor se renova no gesto, na doação de algo tão forte e tão frágil ao mesmo tempo. Ela, a flor, só mantém sua beleza quando é renovada. Neste caso, não é aquela flor específica, mas o que a flor representa em si. Para o homem, carregar um buquê, ou uma flor solitária - não importa - não é algo tão simples assim, há um certo constrangimento que é vencido pelo prazer de agradar a mulher amada. Ele precisa romper a barreira da sua natureza racionalmente lógica para entrar no campo da sensibilidade que um simples gesto pode proporcionar. Ele se desarma e a mulher amada se sente feliz por tudo isso. Ele a presenteia com a materialização dos seus sentimentos, pela beleza, pela fragrância, pela delicadeza, que são apaixonantes.
 
Então, quando as mulheres recebem flores recebem muito mais, por isso é que elas são tão especiais.


Carlos Bianchi de Oliveira
É carioca, nascido em 1966, filho de um capixaba com uma maranhense. Descobriu o interesse pela literatura aos 12 anos, quando escreveu o primeiro poema, "Vida Dura", para uma aula de Língua Portuguesa. Optou pela área de ciências exatas para a formação profissional como técnico em mecânica industrial. Não fez Engenharia, pois tinha clara noção de que as Letras eram mais prazerosas; então, decidiu estudar Letras, formando-se em Português e suas literaturas. Passou em concurso público para a Petrobras, onde atua há 30 anos. Participou de concurso de redação para universitários promovido pela UNESCO, Academia Brasileira de Letras e Folha Dirigida, tendo a redação selecionada entre as 100 melhores no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, editadas em um livro escrito em três idiomas e espalhado pelo mundo. Em 2012, criou o blog Entre Estações, onde publica poemas e crônicas.

 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Oceânicas

Pessoas oceânicas levam para longe e para o fundo tudo o que não se dissolve, mas naufraga; desintegram em fragmentos atemporais aquilo que, sólido, não derrete no ar. Guardam segredos seus e de outros tantos que para lá convergem quando tsunamis. Se dentro do mar tem um rio, dentro dos seres oceânicos há mares constelados.
São de uma preservação única e têm o instinto da maresia quando trazida até o rosto do litoral. Mesmo em tempos bravios, com invasões de piratas, ou ainda quando os dias são de revolta, a marola inebria a quem navegue por águas tão movimentadas e permite o sublime banho em frescas ondulações na várzea mais paradisíaca.
Rotas de ida e de chegada em fluxo profundo, as pessoas oceânicas recebem em seu cais submarinos e navios e fazem se perder em seu infinito, a olho nu, qualquer corpo que habite ou transite em sua imensidão. Imersão na escuridão abissal ou flutuação nas margens mais serenas, o oceano-pessoa cinge-se de deleite e surpresa, sedução pelo encanto cantado que as águas orquestram no concerto de Iemanjá.
Ah, pessoas oceânicas, nas quais os rios desaguam e se tornam infinitos pelo contato, indissolúveis pela existência compartilhada. Nelas, contempla-se também o mistério do insondável – em cima, céu; embaixo e por todos os lados, mares que se unificam –, e é lá e somente lá que, entregues à deriva, tudo é só contentamento e deslumbre. Completando a moldura, o azul alteado reflete-se majestoso, celeste oceano petrificado na abóbada, não a se perder de vista, mas a se perder - encontrado - em vida.

Dividem continentes e arquipélagos, transformam ilhas desabitadas em metrópoles, bifurcam-se em praias, baías e recifes, sofrem com as correntes marítimas e engolfam as marés, levantam-se em ressaca intempestiva e beijam suavemente a areia em ondas eternas. Do oceano onde a vida talvez tenha surgido, nascem em formas concretas de água doce e bebível ramificações a nos deixarem temperados de sal: pessoas feitas oceanos de puro magnetismo – pacíficas em seu atlântico coração índico e jamais glacial – eis o ápice espiritual da criação.

 Éverton de Jesus Santos
Sergipano. Graduado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Prof. Alberto Carvalho, Itabaiana/SE, e atualmente vinculado ao Mestrado em Estudos Literários, na área de Literatura e Cultura, desenvolvendo pesquisa relacionada à poesia épica, sob a orientação da Profa. Dra. Christina Bielinski Ramalho. Dedica-se também a escrever crônicas e poemas, bem como a revisar textos acadêmicos.