terça-feira, 29 de setembro de 2015

Bienal do Rio de Janeiro

A Bienal do Rio de Janeiro foi o sucesso de sempre.

O livro Gente, crônicas esteve presente no 

estande da Oficina Editores, capitaneado por Sérgio

Gerônimo e Mozart Carvalho.




terça-feira, 18 de agosto de 2015

As flores

Algo que sempre me intrigou é o fascínio que as mulheres têm por flores. Mas não aquelas fixas em seus caules, sustentadas pela terra, pela chuva e pela luz do sol. São outras, embrulhadas em buquês, com laços coloridos, cheias de brilhos e com gotículas de água borrifadas sobre suas sensíveis pétalas. Ou solitárias, arrancadas do seu ramo e ofertadas a ela de surpresa.
 
Um homem poderia suprir o desejo da mulher de ter flores ao plantar algumas espécies em seu quintal ou comprar algumas plantadas em jarros e dar a ela para efeitar o ambiente do lar, mas isso não a satisfaria porque, na verdade, não é isso o que ela quer. Não que elas não ficariam felizes de andar pelo quintal multicolorido e aromatizado, ou de escolher o local que mais combine com aquele arranjo de flores. Mas não é esse o seu anseio, não é a presença da flor que a faria mais feliz.
 
Eis então o grande enigma para nós do gênero masculino. Nós que olhamos as coisas de forma prática e objetiva, que acreditamos estar agradando pela lógica que não se aplica neste caso. A simbiose entre a mulher e a flor encontra-se no campo mais profundo da natureza feminina, na sua essência que a torna tão especial ao homem, mesmo que ele não se aperceba disso. A flor é delicada, precisa de cuidado, de atenção. E quando retirada da sua fonte natural de energia, perde rapidamente a sua beleza e o seu aroma apaixonante. Neste caso, instintiva e metaforicamente a mulher que ama espera ser correspondida,e a flor que recebe simboliza a materialização de um sentimento dedicado exclusivamente a ela.
 
E por quê recebê-las de tempos em tempos? Pela mesma razão, é claro! O amor se renova no gesto, na doação de algo tão forte e tão frágil ao mesmo tempo. Ela, a flor, só mantém sua beleza quando é renovada. Neste caso, não é aquela flor específica, mas o que a flor representa em si. Para o homem, carregar um buquê, ou uma flor solitária - não importa - não é algo tão simples assim, há um certo constrangimento que é vencido pelo prazer de agradar a mulher amada. Ele precisa romper a barreira da sua natureza racionalmente lógica para entrar no campo da sensibilidade que um simples gesto pode proporcionar. Ele se desarma e a mulher amada se sente feliz por tudo isso. Ele a presenteia com a materialização dos seus sentimentos, pela beleza, pela fragrância, pela delicadeza, que são apaixonantes.
 
Então, quando as mulheres recebem flores recebem muito mais, por isso é que elas são tão especiais.


Carlos Bianchi de Oliveira
É carioca, nascido em 1966, filho de um capixaba com uma maranhense. Descobriu o interesse pela literatura aos 12 anos, quando escreveu o primeiro poema, "Vida Dura", para uma aula de Língua Portuguesa. Optou pela área de ciências exatas para a formação profissional como técnico em mecânica industrial. Não fez Engenharia, pois tinha clara noção de que as Letras eram mais prazerosas; então, decidiu estudar Letras, formando-se em Português e suas literaturas. Passou em concurso público para a Petrobras, onde atua há 30 anos. Participou de concurso de redação para universitários promovido pela UNESCO, Academia Brasileira de Letras e Folha Dirigida, tendo a redação selecionada entre as 100 melhores no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, editadas em um livro escrito em três idiomas e espalhado pelo mundo. Em 2012, criou o blog Entre Estações, onde publica poemas e crônicas.

 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Oceânicas

Pessoas oceânicas levam para longe e para o fundo tudo o que não se dissolve, mas naufraga; desintegram em fragmentos atemporais aquilo que, sólido, não derrete no ar. Guardam segredos seus e de outros tantos que para lá convergem quando tsunamis. Se dentro do mar tem um rio, dentro dos seres oceânicos há mares constelados.
São de uma preservação única e têm o instinto da maresia quando trazida até o rosto do litoral. Mesmo em tempos bravios, com invasões de piratas, ou ainda quando os dias são de revolta, a marola inebria a quem navegue por águas tão movimentadas e permite o sublime banho em frescas ondulações na várzea mais paradisíaca.
Rotas de ida e de chegada em fluxo profundo, as pessoas oceânicas recebem em seu cais submarinos e navios e fazem se perder em seu infinito, a olho nu, qualquer corpo que habite ou transite em sua imensidão. Imersão na escuridão abissal ou flutuação nas margens mais serenas, o oceano-pessoa cinge-se de deleite e surpresa, sedução pelo encanto cantado que as águas orquestram no concerto de Iemanjá.
Ah, pessoas oceânicas, nas quais os rios desaguam e se tornam infinitos pelo contato, indissolúveis pela existência compartilhada. Nelas, contempla-se também o mistério do insondável – em cima, céu; embaixo e por todos os lados, mares que se unificam –, e é lá e somente lá que, entregues à deriva, tudo é só contentamento e deslumbre. Completando a moldura, o azul alteado reflete-se majestoso, celeste oceano petrificado na abóbada, não a se perder de vista, mas a se perder - encontrado - em vida.

Dividem continentes e arquipélagos, transformam ilhas desabitadas em metrópoles, bifurcam-se em praias, baías e recifes, sofrem com as correntes marítimas e engolfam as marés, levantam-se em ressaca intempestiva e beijam suavemente a areia em ondas eternas. Do oceano onde a vida talvez tenha surgido, nascem em formas concretas de água doce e bebível ramificações a nos deixarem temperados de sal: pessoas feitas oceanos de puro magnetismo – pacíficas em seu atlântico coração índico e jamais glacial – eis o ápice espiritual da criação.

 Éverton de Jesus Santos
Sergipano. Graduado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Prof. Alberto Carvalho, Itabaiana/SE, e atualmente vinculado ao Mestrado em Estudos Literários, na área de Literatura e Cultura, desenvolvendo pesquisa relacionada à poesia épica, sob a orientação da Profa. Dra. Christina Bielinski Ramalho. Dedica-se também a escrever crônicas e poemas, bem como a revisar textos acadêmicos.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

A fantástica ameaça do sionismo feminino belo-horizontino que só durou quatro anos

Para Elena Costa

Vou contar, é claro, uma história de espionagem e romance. Espiávamos o quanto podíamos as nossas colegas judias da Escola Albert Einstein, na rua Pernambuco. A escola ainda funciona no prédio da União Israelita de Belo Horizonte e umas tantas vezes invadimos a biblioteca para roubar livros em hebraico. Um adolescente metido a intelectual rouba livros. Tudo bem. Mas roubar livros em hebraico é coisa de gente perturbada ao extremo, e nós éramos tudo isso.
Para confessar uma modéstia perdida, eu sempre desconfiei que não éramos nada daquilo, mas mudei de idéiaalguns meses, na comemoração dos 70 anos da escola. A exposição de fotos mostrava desde relíquias amareladas dos anos 30 (imaginem, do tempo da diáspora!), até as escaneadas do aqui-e-agora, mas nem uma lembrança do nosso período - de 1980 a 1983. Antecipando em um ano o tema do livro de Orwell, a Mossad suprimiu a memória de nossa guerrilha escolar. Éramos uns vitoriosos e não sabíamos! E não foi à toa. Aquela foi a época mais conturbada de toda a história da humanidade: o governo embalava o Pró-álcool e John Lennon, que era mais popular que Jesus Cristo, acabara de ser assassinado. O sonho - e a era das discotecas - acabou. Os tempos eram ao mesmo tempo anacrônicos e incongruentes: o Pirulito ficava na Savassi, lugar onde nunca esteve antes e jamais iria ficar novamente.
Nosso jeito de perverter tudo e todos era bem especial: pela absoluta falta de propósito embrulhada em engajamento visual. Como nossos pais se diziam de esquerda, andávamos na escola e pela Praça da Liberdade afora com camisas vermelhas e uma foice e um martelo enormes e amarelos no peito. De 80 a 83, ninguém sabia o que fazer com isso: nossos avançados pais e professores não decidiam se isso era louvável, perigoso ou idiota. E a polícia ou achava bonito ou não ligava (quem, na época, havia contado alguma coisa sobre comunismo para um PM nos seus vinte e poucos anos?), e a UMES-BH - dominada por simpáticos stalinistas filhos de peemedebistas da Faculdade de Medicina - nem sabia que a gente existia. os quase extintos fascistas, resquícios da Tradicional Família Mineira (hoje muito informatizada para merecer esse nome), eram a nossa salvação, brindando-nos com muita cara feia nos ônibus, no Parque Municipal, no Palácio das Artes, no Mercado Central. Éramos hedonistas, está claro: máxima culpa de Belo Horizonte e das judias do Einstein.
Um parágrafo para nossa colega, saudosíssima Elena. Alunos, professores e rabinos do colégio Theodor Herzl foram à nossa escola para um jogo de bola amistoso (judeu contra judeu é amistoso) e Elena comandou a festa. Sob sua liderança, estampamos em nossas camisetas um chocante “Beguin retzaeh” (Menahem Beguin: o líder israelense que comandou o massacre de Sabra e Shatila; retzaeh: provavelmente “assassinoem hebraico castiço - nunca conferimos a pertinência do termo). Amistosidade abalada, é óbvio, e nunca mais nossos irmãos co-sionistas voltaram a pisar no nosso lado de Gaza.

Hoje olho para minha cidade e nem consigo imaginar queapenas 30 anos Belo Horizonte era o epicentro de uma grande conspiração internacional. Como ficou o mundo depois disso? Uma de minhas filhas estudou no mesmo Einstein, os Estados Unidos continuam se achando donos do mundo, e meu deca-campeão América segue com os resultados de sempre. Até o Pirulito está onde sempre esteve, eterno na Praça Sete, como se sua temporada savassiana tivesse sido apagada da novolíngua belorizontina. E permanece suspirar por um Oriente de Médio pra melhor. Paz praqueles povos de nariz grande. Isso, sim, iria redimir nossa linda futilidade da Rua Pernambuco.

Beto Vianna
Nascido em Belo Horizonte, é professor na Universidade Federal de Sergipe, em Itabaiana, e ex-professor na Universidade Obafemi Awolowo, em Ilê-Ifé (cidade onde o mundo começou). Estuda a linguagem dos animais, é pai de Tábata, Ariel e Pepe, e avô de Uirá, Rodrigo e Gael.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Massinha de modelar

Hoje, ao acordar, me veio a lembrança de minha irmã mais velha voltando da escola, eu sempre a esperava na calçada de minha casa ansioso para ver quais seriam as suas tarefas daquele dia. Nesse tempo eu ainda não estudava e tinha uma enorme curiosidade de saber que lugar era esse chamado Escola. Eu sabia que era um lugar muito divertido, pois minha irmã me dizia que lá todo mundo ganhava uma tia, todo mundo tinha uma mochila e vários cadernos para rabiscar. Ah, e o principal: todo mundo tinha massinha de modelar... Passou algum tempo e minha mãe disse-me que eu iria começar a estudar também. Ela comprou mochila, vários cadernos, lápis, borracha e muitas massinhas de modelar. No primeiro dia de aula eu estava muito curioso para saber quem seria minha nova tia, eu tinha outras tias, mas as outras eu já as conhecia desde bebê e essa seria nova. Minha mãe me levou até uma sala toda colorida, com várias mesinhas, cadeiras e brinquedos e, apontando para uma mulher sorridente, disse: Essa é a sua nova tia, você agora vai ficar com ela, seja um menino obediente, mais tarde eu venho te buscar. Minha tia deu-me um beijo e me levou até uma cadeira. Eu sentei e fiquei observando as outras crianças, algumas choravam desesperadamente (acho que elas estavam doentes), outras estavam correndo de pega-pega e algumas sentadas assim como eu. Algum tempo depois, a nossa tia começou a contar historinhas e todo mundo ficou curioso para ouvir, até as crianças que estavam com dor pararam de chorar. No fim da manhã, minha mãe apareceu na porta da sala para me levar para casa. Despedi-me da minha tia e fomos embora. Alguns anos se passaram e algumas coisas mudaram, agora, eu já tinha conhecido outras tias e já sabia ler, escrever e contar, essas tias passaram a ser chamadas de professoras e também passei a ter professores. Essas mudanças eu até que aceitei rápido, só não entendi porque ninguém mais brincava de massa de modelar no recreio. Com o tempo, mudanças outras surgiram, eu tinha vários professores, todos eles ensinavam em tempos denominados de horários e não mais a manhã completa como antes, surgiram outras disciplinas, algumas eu passei a gostar de cara como Redação, Literatura e Filosofia, mas apareceram outras que doía a cabeça só de ouvir o nome como Física e Química, sem falar em Matemática que insistia em me seguir ano após ano. Nesse tempo, com algumas mudanças, achei que as massas de modelar voltariam, mas nada de elas voltarem. Daí chegou o dia em que tive que fazer uma prova e escolher o que iria optar a estudar e trabalhar no futuro, claro que optei por aquilo que sempre gostei: estudar português e trabalhar na escola. Essa foi mais outra fase, outros professores, outros colegas, a escola agora era bem maior e tinha mudado de nome, era outro mundo. Nela, os professores eram diferentes, eles nos ensinavam como ensinar. Aprendemos coisas desde os sons da fala, passando pela construção das palavras, das frases, dos textos, dos discursos, sem contar nas teorias literárias, nas literaturas brasileiras, portuguesas, africanas... Hoje, estou na reta final dessa fase que também não houve massinha de modelar como aquela que minha tia dava na escola para a gente brincar, mas sei que essa massinha sempre esteve presente, durante esses anos, personificada na figura de meus professores, estes, me modelaram, me juntaram com diferentes massinhas e me ensinaram como modelar. E sei que, assim como a massinha de modelar, estarei sempre sendo modelado e me modelando, pois essa é a parte mais divertida da massinha de modelar.

Flávio Passos
Sergipano e cinéfilo. Graduado em Letras, mestrando em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Sergipe. Grande sonhador, apaixonado por cães e pelo mar. Ama poesia, faz parte do grupo
Ampulheta - blog de escritores que publicam crônicas - e acredita piamente no poder das palavras.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Feijão e o Sonho

São cinco horas e quinze minutos. Está muito frio. Na escuridão, aproximo-me do ponto do ônibus fretado, que nos leva diariamente à fábrica de uma multinacional no interior. Trabalho duramente no escritório, excesso de vendas. Graças ao presidente, o Brasil estava em crescimento. Nos olhares, sinto a admiração dos colegas, dizem que sou elegante e eficiente, apesar dos meus sessenta e dois anos.
Na viagem, não consigo conciliar o sono, viro para a janela, um breu. Num flash “vejo” mamãe incansável em sua máquina de costura. Não me recordo se ela descansava: de madrugada, passava roupas. Suspiro e viro para o outro lado, sorrindo penso em papai. Era um bon-vivant, desaparecia por meses, deixava mamãe desesperada, com sete filhos. Alcoolizado era só alegria. Feliz no jogo, comemorava:
- Filha, escolha uma linda fantasia para este carnaval.
- Mulher, trouxe belas porcelanas e cristais. Vamos jantar lagosta?
- Mas homem, é melhor comprar dois quilos de feijão, estamos passando fome, falta alimento em casa...
Estamos quase chegando, será um belo dia de sol. Ah, os fins de semana, aguardo ansiosa pelos risos infantis e a família completa, embora chamem a minha atenção:
- Mãe, a bebida está acabando contigo! Você não se alimenta.
Reconheço, às vezes se torna meu combustível.
- Filho, é para esquecer as indelicadezas, me dá forças... O sabor da bebida no copo é como um beijo subtraído.

Levanto da poltrona: iiihhh! Essas lágrimas vão borrar meus olhos maquiados.


Ethel Naomi
Paulista de Tupã, é cronista, contista e poeta, participante fiel e ativa de saraus literários. Cursou o CLIPE-Projeto da Casa das Rosas, bem como de outros da Casa. Participações nos livros Conte sua História de São Paulo, do radialista Milton Jung, na antologia água terra fogo ar. crônicas elementais, e do Livro-Livre. Acredita na cultura como alimento básico na formação do ser humano, na tentativa de compreender sua existência e a do outro.